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Por Francis Schaeffer (1912-1984)
Quando,
pois, os gentios que não têm lei, procedem por natureza de conformidade
com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes
mostram a norma da lei gravada nos seus corações, testemunhando-lhes
também a consciência, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou
defendendo-se; no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os
segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho. (2.14-16)
Paulo
está passando para a próxima etapa da sua apresentação do plano de
salvação divino. Ele já falou sobre os não-judeus, os gentios, o homem
sem a Bíblia. Agora ele está preparando o terreno . para falar sobre o
homem judeu - o homem com a Bíblia. Lembre-se novamente do que ele disse
acerca dos gentios: "A ira de Deus se revela" (1.18). E o ouvinte
gentio se pergunta: "Por que eu estou sob a ira de Deus7" E Paulo
responde "o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque
Deus lhes manifestou" (1.19). Até mesmo o homem sem a Bíblia tem uma
consciência. Esta é a primeira coisa que o condena. Esta pessoa é ainda
um ser moral.
Agora Paulo passa a dizer a mesma coisa sobre os
judeus, ou, em termos equivalentes à realidade de hoje, sobre as pessoas
com a Bíblia. Eles têm a Bíblia (e, como os gentios, ou as pessoas sem a
Bíblia, não deixam de ter uma consciência), mas não vivem de acordo com
ela. Realmente, admite Paulo, podemos encontrar muitos gentios (pessoas
sem a Bíblia), que vivem bem melhor do que as pessoas com a Bíblia. Ele
não está dizendo que estes incrédulos possam viver vidas perfeitas.
Nenhum ser humano vive uma vida perfeita. Tudo o que ele está dizendo é
que os exemplos relativamente bons destes incrédulos condenam aqueles
que tem a Bíblia.
É claro que isto não representa uma desculpa
para o homem sem a Bíblia. Ele nunca estará vivendo totalmente de acordo
com os padrões que lhe são conhecidos. Mas esse é um motivo a mais para
condenação dos judeus, dos homens com a Bíblia. Paulo está simplesmente
cortando pela raiz todo e qualquer fundamento que não seja a graça.
Você pode sentir isso. Ele está descartando todos aqueles argumentos que
as pessoas de todas as eras costumam usar para dizer "não preciso de
Salvador algum". Você pode perce¬ber todos estes argumentos sendo
demolidos. Alguém poderia di¬zer "olhe só para aqueles incrédulos ali,
vivendo vidas muito mais adequadas do que as pessoas com a Bíblia". Mas,
como Paulo diz, a bondade dessas pessoas não poderá salvá-las, pois
elas nunca estarão vivendo inteiramente de acordo com os princípios por
elas mesmas estabelecidos.
... os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se. (2.15b)
Esta
é a experiência de todas as pessoas. Todos nós passamos por isso, indo e
vindo como balanço de um pêndulo. Perdoamos os outros, dizendo: "Eu
acabarei sendo poupado, sou melhor do que os outros", e então, puffi,
cometemos algo realmente ruim, submergimos no mar negro da
auto-condenação e passamos a nos "acusar" a nós mesmos. E em seguida,
quem sabe, vamos tomar um pouco de ar fresco ou uma boa xícara de café
ou olhamos para alguém que parece estar em situação ainda pior do que a
nossa, e o pêndulo volta para o extremo oposto e voltamos a nos
desculpar. "Não sou tão mal quan¬to imaginava. Até que estou me
comportando muito bem". E, no momento seguinte, sem qualquer aviso
prévio, voltamos a cair no mar negro. Todas as pessoas vivem neste
vai-e-vem pendular - desculpando-se... acusando-se... desculpando-se...
acusando-se... Encaramos a nossa própria consciência, sentimo-nos
acusados; e en¬tão explicamos nossos motivos, e nos sentimos
desculpados.
No dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho. (2.16)
É
preciso que encaremos o fato de que chegará o dia, posto na história,
em que se dará o julgamento. Já vimos isto em 2.5 "Mas, segundo a tua
dureza e coração impenitente acumulas contra ti mesmo ira para o dia da
ira e da revelação do justo juízo de Deus". Paulo jamais permite que sua
mensagem permaneça no plano da abstração; ele apresenta a aplicação
mais concreta e prática possível; e o fato concreto e inevitável é que
está chegando o dia, bastante real, posto no espaço e no tempo, posto na
história, em que Deus há de julgar o mundo. Ele está dizendo "no dia" -
o que não significa necessariamente um dia de vinte e quatro horas -
"em que Deus... julgar os segredos dos homens".
"Segredos" devia
ser uma palavra assustadora para nós. Deus não julgará apenas as coisas
abertas, mas também os segredos. A pessoa sem a Bíblia diz "aquela
mulher é imoral ... aquele homem é imoral", e depois acaba praticando as
mesmas coisas, muitas vezes à surdina. E não é precisamente assim que
as pessoas pensam e vivem? Elas não estão se esforçando de fato para
serem morais, elas só estão tentando manter as coisas equilibradas,
apontando o dedo para a pessoa que chega a um ponto extremo, mesmo que
elas estejam praticando as mesmas coisas secretamente. Elas condenam as
outras pelas coi¬sas mais explícitas, as coisas que dão manchete. Mas,
nas suas pró¬prias vidas secretas, estão vivendo do mesmo jeito.
Deus
julgará não só o que se encontra publicado nas manchetes, mas todas as
mais secretas coisas. Toda aquela boa gente. Todos aqueles que atiram
pedras. Todos aqueles que escrevem os editoriais.
Mais uma vez é
preciso recordar o contexto disso tudo. As pessoas dizem "Por que eu
estou sob a ira de Deus? Será que Deus é justo em condenar-me?" E Deus
diz-, "você não consegue imaginar um bom motivo para estar sob a minha
ira?" "Ó homem", (2.1), olhe bem para você. Será que isso não é-justo
(2.2-16)?
O julgamento será realizado por Deus, mas ele também
será realizado "por meio de Jesus Cristo" (2.16). Paulo não mencionava
Cristo desde 1.16, porque ele estava discutindo o problema do pecado.
Mas agora ele o menciona novamente, como sendo o juiz da humanidade.
Isso poderia ser uma surpresa. Você certamente já encontrou pessoas,
tanto judeus quanto gentios, que dizem "Eu acredito em Deus, só não
acredito em Jesus Cristo". Mas a terrível verdade é que, quando ho-mens e
mulheres não salvos forem chamados para comparecer diante de Deus para
julgamento e o encararem, eles só verão uma dentre as pessoas da
Trindade como juiz, e esta será Jesus Cristo. Uma das ex-pressões mais
imponentes de toda a Bíblia é a "ira do Cordeiro" (Ap 6.16). Em Romanos,
Paulo fala da ira de Deus, mas em Apocalipse João se refere à ira do
Cordeiro.
A pessoa da Trindade que veio e muito sofreu para que
as pessoas não tivessem mais de ser julgadas, será o seu juiz. A pessoa
que tenta chegar-se a Deus sem passar por Jesus Cristo terá que estar
face-a-face com Jesus no dia do julgamento. Cer¬tamente Jesus foi
"tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado" (Hb
4.15); portanto, ele sabe muito bem o que é a tentação e ele compreende
nossa humanidade. Mas isso não ameniza em nada a terrível verdade de que
ele nos julgará. Jesus, o Salvador do mundo, será igualmente o seu
juiz. "Não me envergonho do evangelho de Cristo", diz Paulo. Mas agora
ele acrescenta-. Cristo é também o juiz. Não apenas não há outra forma
de se chegar a Deus, a não ser por meio de Jesus Cristo, como o próprio
Cristo declara (Jo 14.6), mas também que todos os que tentam, de alguma
forma, pular esta etapa, não conseguirão, pois Jesus Cristo estará
parado bem ali, na condição de juiz. Jesus diz "Vinde a mim todos os que
estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei" (Mt 11.28). Mas
quando alguém diz: "Não quero ter nada a ver com você: posso muito bem
comparecer diante de Deus diretamente, com as minhas próprias pernas,
sem mediador, sem qualquer Messias sofredor", isso seria como se
estivesse tentando ascender diretamente aos céus, passando por cima
desse Jesus Cristo. Acontece que não conseguirá fazer isso, porque lá
está Jesus Cristo, o juiz. Ninguém que já tenha passado por essa vida
foi capaz de escapar do relacionamento com Jesus Cristo.
De duas,
uma: ou este relacionamento será o da salvação, conforme descrito por
Paulo em 1.16, ou então será o relacionamento que ele descreve em 2.16-0
relacionamento de uma pessoa condenada e o seu juiz.
O profeta
Miquéias disse "sofrerei a ira do SENHOR, porque pequei contra ele" (Mq
7.9). Jesus suportou a indignação do nosso pecado na cruz. Mas, se
falhamos em aceitar isso, só nos resta o outro lado da equação - teremos
de suportar a indignação do. Senhor por nós mesmos.
Paulo tem
(alado de os gentios estarem sob a ira de Deus (1.18— 2.16), e nestes
poucos últimos versículos ele começa a falar de os judeus estarem
igualmente sob a ira de Deus (2.9-16). Enquanto ele se prepara para
enfocar a ira de Deus contra os judeus (2.17— 3.8), devemos recordar a
passagem de Sofonias "naquele dia não te envergonharás de nenhuma das
tuas obras, com que te rebelaste contra mim; então tirarei do meio de ti
os que exultam na sua soberba, e tu nunca mais te ensoberbecerás no meu
santo monte" (3.11). Deus, por meio de Sofonias, disse a Israel que
chegaria um dia em que não estariam mais orgulhosos simplesmente porque a
sua montanha sagrada, Jerusalém, estava no seu meio. Todos os que se
regozijam por razões como esta serão julgados do mesmo jeito que todo
mundo. Mas este aviso não se aplica somente aos judeus ou às pessoas dos
tempos bíblicos. Pensando novamente no paralelo com os nossos tempos
modernos - as pessoas com a Bíblia e as pessoas sem a Bíblia - as
pessoas com a Bíblia e a igreja não devem jamais ser arrogantes a ponto
de olhar com ar de superioridade para aqueles que não têm acesso a estas
coisas. Até mesmo as pessoas de hoje que se gabam por não acreditar em
absolutamente nada certamente olham para outras pessoas com ar de
superioridade e as condenam. Mas Paulo está nos mostrando que o pecado é
universal. Todos nós nos apresentamos condenáveis diante de Deus.
Nenhum de nós pode ser arrogante por causa de alguma "montanha sagrada"
que possamos reivindicar. Qualquer coisa que seja um motivo para nos
tornar mais soberbos não passará de mais uma razão para julgamento ainda
maior.
Fonte: [ Josemar Bessa ].