Por Augustus Nicodemus Lopes
Quando olho o atual cenário da igreja evangélica brasileira – estou usando o termo “evangélica” de maneira ampla – confesso que me sinto incapaz de prever o que vem pela frente. Há muitas e diferentes forças em operação em nosso meio hoje, boa parte delas conflitantes e opostas. Olho para frente e não consigo perceber um padrão, uma indicação que seja, do futuro da igreja.
Quando olho o atual cenário da igreja evangélica brasileira – estou usando o termo “evangélica” de maneira ampla – confesso que me sinto incapaz de prever o que vem pela frente. Há muitas e diferentes forças em operação em nosso meio hoje, boa parte delas conflitantes e opostas. Olho para frente e não consigo perceber um padrão, uma indicação que seja, do futuro da igreja.
Há,
em primeiro lugar, o crescimento das seitas neopentecostais. Embora
estatísticas recentes tenham apontado para uma queda na membresia de
seitas como a Universal do Reino do Deus, outras estão surgindo no
lugar, como na lenda grega da Hidra de Lerna, monstro de sete cabeças
que se regeneravam quando cortadas. A enorme quantidade de adeptos
destes movimentos que pregam prosperidade, cura, libertação e solução
imediata para os problemas pessoais acaba moldando a imagem pública dos
evangélicos e a percepção que o restante do Brasil tem de nós. Na
África do Sul conheci uma seita que mistura pontos da fé cristã com
pontos das religiões africanas, um sincretismo que acaba por tornar
irreconhecível qualquer traço de cristianismo restante. Temo que a
continuar o crescimento das seitas neopentecostais e seus desvios cada
vez maiores do cristianismo histórico, poderemos ter uma nova religião
sincrética no Brasil, uma seita que mistura traços de cristianismo com
elementos de religiões afro-brasileiras, teologia da prosperidade e
batalha espiritual em pouquíssimo tempo.
Depois
há o movimento “gospel”, que recentemente mostrou sua popularidade ao
ter o festival “Promessas” veiculado pela emissora de maior audiência
do país. Não me preocupa tanto o fato de que a Rede Globo exibiu o
show, mas a mensagem que foi passada ali. A teologia gospel confunde
“adoração” com pregação, exalta o louvor como o principal elemento do
culto público, anuncia um evangelho que não chama pecadores e crentes
ao arrependimento e mudança de vida, que promete vitórias mediante o
louvor e a declaração de frases de efeito e que ignora boa parte do que
a Bíblia ensina sobre humildade, modéstia, sobriedade e separação do
mundo. Para muitos jovens, os shows gospel viraram a única forma de
culto que conhecem, com pouca Bíblia e quase nenhum discipulado. O
impacto negativo da superficialidade deste movimento se fará sentir
nesta próxima geração, especialmente na incapacidade de impedir a
entrada de falsos ensinamentos e doutrinas erradas.
Em
Brasília, temos os deputados e senadores evangélicos que, gostemos ou
não, têm conseguido retardar e mesmo impedir as tentativas de grupos
ativistas LGTB de impor leis como o famigerado PL 122. O lado
preocupante é que eles “representam” os evangélicos nestes assuntos e
acabam, por associação, nos representando de maneira generalizada
diante do grande público e da grande mídia. Por um lado, lamento que
foram líderes de seitas neopentecostais e pastores de teologia e
práticas duvidosas, em sua maioria, que conseguiram alcançar uma
posição de destaque a ponto de serem ouvidos em Brasília. Esta é uma
posição que deveria ter sido ocupada pelos reformados, como aconteceu
em outros países. Mas, falhamos. E a bem da justiça, não posso deixar
de reconhecer que Deus usa quem Ele quer para refrear, ainda que por
algum tempo, a rápida deterioração da nossa sociedade. O que isto
representará no futuro, é incerto.
Notemos
ainda o rápido crescimento do calvinismo, não nas igrejas históricas,
mas fora delas, no meio pentecostal. Não são poucos os pentecostais que
têm descoberto a teologia reformada – particularmente as doutrinas da
graça, os cinco slogans (“solas”) e os chamados cinco pontos do
calvinismo. Boa parte destes tem tentado preservar algumas idéias e
práticas características do pentecostalismo, como a contemporaneidade
dos dons de línguas, profecia e milagres e um culto mais informal, além
de uma escatologia dispensacionalista. Outros têm entendido –
corretamente – que a teologia reformada inevitavelmente cobra pedágio
também nestas áreas e já passaram para a reforma completa. Mas o tipo
de movimento, igrejas ou denominações resultantes desta surpreendente
integração ainda não é previsível. O que existe de mais próximo é o
movimento neocalvinista, mas este é por demais vinculado à cultura
americana para ser reproduzido com sucesso aqui, sem adaptações. Estou
curioso para ver o que vai dar este cruzamento de soteriologia
calvinista com pneumatologia pentecostal.
O
impacto das mídias sociais também não pode ser ignorado. E há também o
número crescente de desigrejados, que aumenta na mesma proporção da
apropriação das mídias sociais pelos evangélicos. Com a possibilidade
de se ouvir sermões, fazer estudos e cursos de teologia online, além de
bate-papo e discipulado pela internet, aumenta o número de pessoas que
se dizem evangélicas mas que não se congregam em uma igreja local. São
cristãos virtuais que “freqüentam” igrejas virtuais e têm comunhão
virtual com pessoas que nunca realmente chegam a conhecer. Admito o
benefício da tecnologia em favor do Reino. Eu mesmo sou professor há
quinze anos de um curso de teologia online e sei a benção que pode ser.
Mas, não há substituto para a igreja local, para a comunhão real
com os santos, para a celebração da Ceia e do batismo, para a oração
conjunta, para a leitura em uníssono das Escrituras e para a recitação
em conjunto da oração do Pai Nosso, dos Dez Mandamentos. Isto não dá
para fazer pela internet. Uma igreja virtual composta de desigrejados
não será forte o suficiente em tempos de perseguição.
Eu
poderia ainda mencionar a influência do liberalismo teológico, que tem
aberto picadas nas igrejas históricas e pentecostais e a falta de
maior rapidez e eficiência das igrejas históricas em retomar o
crescimento numérico, aproveitando o momento extremamente oportuno no
país. Afinal, o cristianismo tem experimentado um crescimento fenomenal
no chamado Sul Global, do qual o Brasil faz parte.
Algumas coisas me ocorrem diante deste quadro, quando tento organizar minha cabeça e entender o que se passa.
1
– Historicamente, as igrejas cristãs em todos os lugares aqui neste
mundo atravessaram períodos de grande confusão, aridez e decadência
espiritual. Depois, ergueram-se e experimentaram períodos de grande
efervescência e eficácia espiritual, chegando a mudar países. Pode ser
que estejamos a caminho do fundo do poço, mas não perderemos a
esperança. A promessa de Jesus quanto à Sua Igreja (Mateus 16:18) e a
história dos avivamentos espirituais nos dão confiança.
2
– Apesar de toda a mistura de erro e verdade que testemunhamos na
sincretização cada vez maior das igrejas, é inegável que Deus tem agido
salvadoramente e não são poucos os que têm sido chamados das trevas
para a luz, regenerados e justificados mediante a fé em Cristo Jesus, apesar
das ênfases erradas, das distorções doutrinárias e da negligência das
grandes doutrinas da graça. Ainda assim, parece que o Espírito Santo se
compraz em usar o mínimo de verdade que encontra, mesmo em igrejas com
pouca luz, na salvação dos eleitos. Não digo isto para justificar o
erro. É apenas uma constatação da misericórdia de Deus e da nossa
corrupção. Se a salvação fosse pela precisão doutrinária em todos os
pontos da teologia cristã, nenhum de nós seria salvo.
Fonte: [ O Tempora, O Mores! ]
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