segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Aos que exultam na Soberba

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Por Francis Schaeffer (1912-1984)

Quando, pois, os gentios que não têm lei, procedem por natureza de conformidade com a lei, não tendo lei, servem eles de lei para si mesmos. Estes mostram a norma da lei gravada nos seus corações, testemunhando-lhes também a consciência, e os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se; no dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho. (2.14-16)

Paulo está passando para a próxima etapa da sua apresentação do plano de salvação divino. Ele já falou sobre os não-judeus, os gentios, o homem sem a Bíblia. Agora ele está preparando o terreno . para falar sobre o homem judeu - o homem com a Bíblia. Lembre-se novamente do que ele disse acerca dos gentios: "A ira de Deus se revela" (1.18). E o ouvinte gentio se pergunta: "Por que eu estou sob a ira de Deus7" E Paulo responde "o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou" (1.19). Até mesmo o homem sem a Bíblia tem uma consciência. Esta é a primeira coisa que o condena. Esta pessoa é ainda um ser moral.

Agora Paulo passa a dizer a mesma coisa sobre os judeus, ou, em termos equivalentes à realidade de hoje, sobre as pessoas com a Bíblia. Eles têm a Bíblia (e, como os gentios, ou as pessoas sem a Bíblia, não deixam de ter uma consciência), mas não vivem de acordo com ela. Realmente, admite Paulo, podemos encontrar muitos gentios (pessoas sem a Bíblia), que vivem bem melhor do que as pessoas com a Bíblia. Ele não está dizendo que estes incrédulos possam viver vidas perfeitas. Nenhum ser humano vive uma vida perfeita. Tudo o que ele está dizendo é que os exemplos relativamente bons destes incrédulos condenam aqueles que tem a Bíblia.

É claro que isto não representa uma desculpa para o homem sem a Bíblia. Ele nunca estará vivendo totalmente de acordo com os padrões que lhe são conhecidos. Mas esse é um motivo a mais para condenação dos judeus, dos homens com a Bíblia. Paulo está simplesmente cortando pela raiz todo e qualquer fundamento que não seja a graça. Você pode sentir isso. Ele está descartando todos aqueles argumentos que as pessoas de todas as eras costumam usar para dizer "não preciso de Salvador algum". Você pode perce¬ber todos estes argumentos sendo demolidos. Alguém poderia di¬zer "olhe só para aqueles incrédulos ali, vivendo vidas muito mais adequadas do que as pessoas com a Bíblia". Mas, como Paulo diz, a bondade dessas pessoas não poderá salvá-las, pois elas nunca estarão vivendo inteiramente de acordo com os princípios por elas mesmas estabelecidos.

... os seus pensamentos mutuamente acusando-se ou defendendo-se. (2.15b)

Esta é a experiência de todas as pessoas. Todos nós passamos por isso, indo e vindo como balanço de um pêndulo. Perdoamos os outros, dizendo: "Eu acabarei sendo poupado, sou melhor do que os outros", e então, puffi, cometemos algo realmente ruim, submergimos no mar negro da auto-condenação e passamos a nos "acusar" a nós mesmos. E em seguida, quem sabe, vamos tomar um pouco de ar fresco ou uma boa xícara de café ou olhamos para alguém que parece estar em situação ainda pior do que a nossa, e o pêndulo volta para o extremo oposto e voltamos a nos desculpar. "Não sou tão mal quan¬to imaginava. Até que estou me comportando muito bem". E, no momento seguinte, sem qualquer aviso prévio, voltamos a cair no mar negro. Todas as pessoas vivem neste vai-e-vem pendular - desculpando-se... acusando-se... desculpando-se... acusando-se... Encaramos a nossa própria consciência, sentimo-nos acusados; e en¬tão explicamos nossos motivos, e nos sentimos desculpados.

No dia em que Deus, por meio de Cristo Jesus, julgar os segredos dos homens, de conformidade com o meu evangelho. (2.16)

É preciso que encaremos o fato de que chegará o dia, posto na história, em que se dará o julgamento. Já vimos isto em 2.5 "Mas, segundo a tua dureza e coração impenitente acumulas contra ti mesmo ira para o dia da ira e da revelação do justo juízo de Deus". Paulo jamais permite que sua mensagem permaneça no plano da abstração; ele apresenta a aplicação mais concreta e prática possível; e o fato concreto e inevitável é que está chegando o dia, bastante real, posto no espaço e no tempo, posto na história, em que Deus há de julgar o mundo. Ele está dizendo "no dia" - o que não significa necessariamente um dia de vinte e quatro horas - "em que Deus... julgar os segredos dos homens".

"Segredos" devia ser uma palavra assustadora para nós. Deus não julgará apenas as coisas abertas, mas também os segredos. A pessoa sem a Bíblia diz "aquela mulher é imoral ... aquele homem é imoral", e depois acaba praticando as mesmas coisas, muitas vezes à surdina. E não é precisamente assim que as pessoas pensam e vivem? Elas não estão se esforçando de fato para serem morais, elas só estão tentando manter as coisas equilibradas, apontando o dedo para a pessoa que chega a um ponto extremo, mesmo que elas estejam praticando as mesmas coisas secretamente. Elas condenam as outras pelas coi¬sas mais explícitas, as coisas que dão manchete. Mas, nas suas pró¬prias vidas secretas, estão vivendo do mesmo jeito.

Deus julgará não só o que se encontra publicado nas manchetes, mas todas as mais secretas coisas. Toda aquela boa gente. Todos aqueles que atiram pedras. Todos aqueles que escrevem os editoriais.

Mais uma vez é preciso recordar o contexto disso tudo. As pessoas dizem "Por que eu estou sob a ira de Deus? Será que Deus é justo em condenar-me?" E Deus diz-, "você não consegue imaginar um bom motivo para estar sob a minha ira?" "Ó homem", (2.1), olhe bem para você. Será que isso não é-justo (2.2-16)?

O julgamento será realizado por Deus, mas ele também será realizado "por meio de Jesus Cristo" (2.16). Paulo não mencionava Cristo desde 1.16, porque ele estava discutindo o problema do pecado. Mas agora ele o menciona novamente, como sendo o juiz da humanidade. Isso poderia ser uma surpresa. Você certamente já encontrou pessoas, tanto judeus quanto gentios, que dizem "Eu acredito em Deus, só não acredito em Jesus Cristo". Mas a terrível verdade é que, quando ho-mens e mulheres não salvos forem chamados para comparecer diante de Deus para julgamento e o encararem, eles só verão uma dentre as pessoas da Trindade como juiz, e esta será Jesus Cristo. Uma das ex-pressões mais imponentes de toda a Bíblia é a "ira do Cordeiro" (Ap 6.16). Em Romanos, Paulo fala da ira de Deus, mas em Apocalipse João se refere à ira do Cordeiro.

A pessoa da Trindade que veio e muito sofreu para que as pessoas não tivessem mais de ser julgadas, será o seu juiz. A pessoa que tenta chegar-se a Deus sem passar por Jesus Cristo terá que estar face-a-face com Jesus no dia do julgamento. Cer¬tamente Jesus foi "tentado em todas as coisas, à nossa semelhança, mas sem pecado" (Hb 4.15); portanto, ele sabe muito bem o que é a tentação e ele compreende nossa humanidade. Mas isso não ameniza em nada a terrível verdade de que ele nos julgará. Jesus, o Salvador do mundo, será igualmente o seu juiz. "Não me envergonho do evangelho de Cristo", diz Paulo. Mas agora ele acrescenta-. Cristo é também o juiz. Não apenas não há outra forma de se chegar a Deus, a não ser por meio de Jesus Cristo, como o próprio Cristo declara (Jo 14.6), mas também que todos os que tentam, de alguma forma, pular esta etapa, não conseguirão, pois Jesus Cristo estará parado bem ali, na condição de juiz. Jesus diz "Vinde a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei" (Mt 11.28). Mas quando alguém diz: "Não quero ter nada a ver com você: posso muito bem comparecer diante de Deus diretamente, com as minhas próprias pernas, sem mediador, sem qualquer Messias sofredor", isso seria como se estivesse tentando ascender diretamente aos céus, passando por cima desse Jesus Cristo. Acontece que não conseguirá fazer isso, porque lá está Jesus Cristo, o juiz. Ninguém que já tenha passado por essa vida foi capaz de escapar do relacionamento com Jesus Cristo.

De duas, uma: ou este relacionamento será o da salvação, conforme descrito por Paulo em 1.16, ou então será o relacionamento que ele descreve em 2.16-0 relacionamento de uma pessoa condenada e o seu juiz.

O profeta Miquéias disse "sofrerei a ira do SENHOR, porque pequei contra ele" (Mq 7.9). Jesus suportou a indignação do nosso pecado na cruz. Mas, se falhamos em aceitar isso, só nos resta o outro lado da equação - teremos de suportar a indignação do. Senhor por nós mesmos.

Paulo tem (alado de os gentios estarem sob a ira de Deus (1.18— 2.16), e nestes poucos últimos versículos ele começa a falar de os judeus estarem igualmente sob a ira de Deus (2.9-16). Enquanto ele se prepara para enfocar a ira de Deus contra os judeus (2.17— 3.8), devemos recordar a passagem de Sofonias "naquele dia não te envergonharás de nenhuma das tuas obras, com que te rebelaste contra mim; então tirarei do meio de ti os que exultam na sua soberba, e tu nunca mais te ensoberbecerás no meu santo monte" (3.11). Deus, por meio de Sofonias, disse a Israel que chegaria um dia em que não estariam mais orgulhosos simplesmente porque a sua montanha sagrada, Jerusalém, estava no seu meio. Todos os que se regozijam por razões como esta serão julgados do mesmo jeito que todo mundo. Mas este aviso não se aplica somente aos judeus ou às pessoas dos tempos bíblicos. Pensando novamente no paralelo com os nossos tempos modernos - as pessoas com a Bíblia e as pessoas sem a Bíblia - as pessoas com a Bíblia e a igreja não devem jamais ser arrogantes a ponto de olhar com ar de superioridade para aqueles que não têm acesso a estas coisas. Até mesmo as pessoas de hoje que se gabam por não acreditar em absolutamente nada certamente olham para outras pessoas com ar de superioridade e as condenam. Mas Paulo está nos mostrando que o pecado é universal. Todos nós nos apresentamos condenáveis diante de Deus. Nenhum de nós pode ser arrogante por causa de alguma "montanha sagrada" que possamos reivindicar. Qualquer coisa que seja um motivo para nos tornar mais soberbos não passará de mais uma razão para julgamento ainda maior.

Fonte: [ Josemar Bessa ]
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domingo, 5 de agosto de 2012

O Amor limitado de Deus

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Por Fabio Correia

O amor de Deus não é tão "grande e ilimitado" assim como muitos pensam. Se Ele quisesse salvar a todos, poderia? Obviamente que sim. Afinal, Deus é Soberano. Ele pode absolutamente tudo que quiser. Por que não salva, então? Seria porque algumas pessoas são incrédulas? Porque algumas pessoas têm um coração duríssimo? Ou ainda não salva porque outras pessoas são blasfemas e não querem saber Dele?

Evidentemente que é de se esperar que pessoas de coração tão duros e ímpios e que rejeitam a bondade da qual seriam alvo de forma tão acintosa, sejam excluídas ou recebem algum tipo de punição ou ainda que deixem de ser alvo desse amor que seria disponibilizado para elas. Geralmente agimos assim. Somos naturalmente vingativos. Somente as pessoas "merecedoras" se tornam alvo do nosso amor. Mas, com Deus não deveria ser diferente? Ele não poderia, e até "deveria", relevar os desmandos e desvios de todas as pessoas, e, assim, salvar a todos indistintamente? É isso que ocorre? Todos serão salvos?

Muitos universalistas acreditam que sim. Acreditam que, por Sua misericórdia e bondade, Deus aceitará a todos e não deixará que nenhum se perca, independentemente de exercerem fé ou não. Poderíamos resumir esse pensamento na frase "Jesus morreu por todos sem exceção".

Apesar de ser o universalismo um pensamento muito simpático e favorável a nós, transgressores inveterados da Lei de Deus, ele foi considerado como herético no concílio de Constantinopla em 543 d.C. Apesar disso, é defendido pela maioria dos teólogos liberais e seus simpatizantes. Ainda que alguns textos bíblicos pareçam sugerir tal expiação universal, entendidos, obviamente, fora do contexto geral das Escrituras, essa ideia é realmente insustentável. Afinal, a bíblia fala da existência de réprobos quanto à fé, isto é, de pessoas que não serão salvas e que terão o inferno como destino e castigo eterno.

Outra corrente teológica que reflete sobre a extensão do amor de Deus é a corrente Arminiana. Essa evolução do Pelagianismo, diferentemente do universalismo, entende que, realmente, nem todos serão salvos necessariamente; porém, todos poderão ser salvos, se quiserem. O problema é que muitos não querem. Para eles, a salvação é um grande "self-service" de possibilidades. Ou seja, Jesus morreu não para salvar efetivamente, mas para possibilitar a salvação de quem quiser ser salvo. Ele fez a parte Dele, cabe ao homem agora servir-se e apropriar-se dessa salvação através da sua fé. O homem, nesse casso, é agente completamente ativo na sua própria salvação. Poderíamos resumir esse pensamento na frase "Jesus morreu por todos que quiserem ser salvos".

Um dos textos favoritos dos arminianos é João 3:16, que diz: "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito para que todo aquele que Nele crê não pereça mas tenha a vida eterna".

Curiosamente os arminianos alternam seu entendimento em relação à extensão do amor de Deus entre uma rápida e discreta passagem pelo universalismo e a limitação "camuflada" desse amor, muito embora não admitam abertamente nenhum nem outro.

Por exemplo, pela expressão do texto acima, "Deus amou o mundo", eles costumam entender que é um amor extensivo ao mundo inteiro, realmente. Isto é, a todas as pessoas. Porém, se perguntarmos a um bom arminiano se todos serão "necessariamente" salvos, dirá que não. Por outro lado, a expressão no mesmo texto acima "todo aquele que crê" é altamente limitadora. Porém, se da mesma forma, perguntarmos a um bom arminiano se Jesus morreu apenas por alguns, eles negarão peremptoriamente.

Apesar disso, não há como negar. Na visão arminiana, ainda que isso gere algum tipo de desconforto quando dito abertamente, o amor de Deus é limitado. E quem põe limite à ação extensiva do amor de Deus? O próprio homem, que decide não crer. É como se o homem sentenciasse soberanamente: "Deus, seu amor pode chegar até uma casa antes da minha, no meu vizinho; ele não deve chegar até a minha casa porque eu não permito; porque eu não quero". E Deus, na visão arminiana, obviamente, obedece ou ainda, como eles preferem dizer, respeita essa vontade do homem. 

Ora, parece claro que se o amor de Deus fosse "ilimitado e irrestrito" como, muitas vezes, supõem os próprios arminianos, deveria salvar até mesmo aquele que decide não querer crer.

Mas há ainda um terceiro grupo que se aventura a refletir séria e profundamento sobre o amor de Deus. São os Calvinistas. Esses, diferentemente dos universalistas e dos arminianos, defendem abertamente que o amor salvífico de Deus é limitado, extensivo e direcionado apenas a um grupo restrito de Eleitos. Sendo assim, admitem, sem o menor constrangimento, que os que "não são salvos" não o são porque o próprio Deus decidiu soberanamente que não seriam salvos e não porque simplesmente não quiseram crer. Ou seja, Deus decidiu eternamente tirar apenas alguns da perdição; o que pressupõe estarem todos nessa situação. Por outro lado, admitem que  não há nada de diferente na natureza daqueles que serão salvos, em relação aos não salvos. Ou seja, os chamados "eleitos de Deus" não são intrinsecamente melhores que os não eleitos. Pelo contrário, todos são igualmente merecedores da ira de Deus, por conta de sua queda em Adão. Estando todos caídos e mortos, espiritualmente falando, Deus, pela sua Graça, que por definição é fazer um favor a quem não merece, decide salvar alguns e derramar sobre esses - mas somente sobre esses - seu "infinito e ilimitado" amor salvífico, a ponto de sacrificar seu próprio Filho Jesus, exclusivamente por eles.  Poderíamos resumir esse pensamento na frase "Jesus morreu apenas pelos seus eleitos". 

Um dos principais e mais polêmicos pontos da teologia Calvinista, geralmente sintetizada em cinco pontos, versa exatamente sobre essa questão. Sobre a "Expiação Limita". Limitada não no poder e importância, e, sim, na extensão e aplicabilidade dessa expiação. Esse ponto ensina de forma clara e aberta que Jesus não morreu por todos. Porque se Ele tivesse morrido por todos sem exceção, todos deveriam, necessariamente, receber a salvação, sob pena de não ter sido um sacrifício perfeito e eficaz. Ensina que quando Jesus subiu à cruz, sabia exatamente, por decreto e não simplesmente por presciência, por quem estava morrendo e sendo oferecido em sacrifício: tão somente por aqueles que foram predestinados por Deus, para a salvação, desde a eternidade. Segundo essa visão, nenhuma gota de sangue do salvador se perdeu. Ou seja, todos pelos quais Cristo morreu serão, indubitável e necessariamente, salvos eternamente, tendo tido seus corações transformados e regenerados para quererem e depois exercerem fé salvífica no sacrifício de Cristo

Na próxima postagem estaremos abordando de forma mais detalhada esse terceiro ponto do Calvinismo, a "Expiação Limitada". Aguardem.